sábado, 15 de setembro de 2007

O dia do julgamento

À direita, alguns exemplares do sexo feminino estirados na areia. Mais parecem espetinhos de galinha dourando ao sol. No alto, um avião tenta chamar a atenção dos veranistas dando cambalhotas no ar com uma faixa no rabo. À esquerda, um rapaz branquelo tenta camuflar uma câmera enquanto se aproxima do chuveiro público. Essa é a minha praia. Eu passeio por entre uma variedade de traseiros bronzeados que competem uns com os outros. Bundas descaradas, envergonhadas, murchas, amadoras, profissionais, orgulhosas, peludas, amarrotadas, esticadas, sorridentes. Todas semi-nuas. Uma abundância geral. A minha improvisa caminhos entre centenas de jurados. Durante o trajeto, algumas frases escapam do seu contexto e vão parar nos meus ouvidos conforme avanço entre os guarda-sóis.

“Mas eu não tava olhando para ela, amor...”

“Hummm essa aí sentou na brita, mas eu pegava”

Segurei o corpo que seguia sozinho o embalo da caminhada. Será que isso foi para mim? Vinte e um anos de bunda e já parece que sentei na brita? Aquela sentença significava que eu tinha um traseiro medíocre. Nem lisinho e empinado, nem uma gelatina disforme que ondula a cada passo. Eram bons glúteos. Pena que tinham sentado na brita. Pena que eu tinha me descontrolado ao ver aqueles docinhos no domingo passado. Agora terei que aceitar a nota C. Giro o corpo para verificar quem é o autor da frase. É ele: o homem mais asqueroso da orla marítima entre Capão da Canoa e Xangri-lá: o juiz do Supremo Tribunal das Nádegas de Atlântida. Ninguém o elegeu para o cargo, tampouco seus atributos físicos lhe valeram a posição. Uma tarde ele simplesmente aportou na beira da praia e começou a bater o martelo sobre o corpo de todo mundo.

Com a barriga escapando pela camisa desabotoada e o topete esculpido com gel, hoje ele faz de um quiosque de madeiras podres o seu palanque. Apoiado pela altura da estrutura, ele ostenta a coragem de falar tudo o que pensa como se isto o tornasse superior. Pelo menos ele se esmera nas cantadas, que são criativas, eu admito.

- Mas que moreninha, hein – grunhe ele no rosto de uma menina que escolheu mal o quiosque onde comprar a água de côco – tantas curvas e eu sem freio nenhum... – continua, apesar da expressão de asco da garota.

Seus amigos, duas marmotas risonhas, admiram as façanhas do meritíssimo. É fácil perceber que eles o idolatram com toda a força daqueles que realizam suas vontades através das ações de outros. Eles, que quando avistam um par de coxas, limitam-se a morder o lábio inferior.

Lembro que estou usando canga. E concluo aliviada que não havia sido eu que sentara na brita, no milho, naquelas cadeiras com assento xadrez de palha, ou qualquer outra superfície acidentada. A criatura inconveniente não tinha reparado em mim. Quanta paranóia. Recolhi-me à minha barraca, onde estaria protegida das gracinhas. Entre eu e o magistrado agora havia a canga, a lona da barraca e o escudo mais eficaz do mundo: meu namorado. A simples presença dele ao meu lado anula meu biquíni decotado, torna-me tão assexuada quanto uma ameba. Ninguém arrisca um olhar.

De repente, como se eu tivesse tomado cinco canecas de chope ao mesmo tempo, vem uma vontade impetuosa de ir ao banheiro. Só que eu sei que o juiz está instalado entre a minha barraca e aquela caixa azul que chamam de sanitário ecológico. Cruzo forte as pernas para ganhar tempo. Inútil. Todo mundo sabe que para esse tipo de caso só tem uma solução. Armada com a canga, tomo coragem e dou início à cruzada até o banheiro. Sinto os olhos do juiz me seguindo, mas ele não dá sinais de que pretende proferir um veredicto. Sem pensar, deixo a canga cair. Ganho um assobio. Que decepção. Esperava um julgamento mais criativo.

8 comentários:

Anônimo disse...

eu viiiii a praia! É bem isso.
A brita é muito cruel. Adorei. Muito engraçado.

DEVANEIOS D'ALMA disse...

Goxxxxxxxxxtosa!

;p

Adorei o teu texto e a descrição praiana que deste.

Mas, cá entre nós: antes um assobio do que ser relacionada com a brita, né?

Beijos.

denise disse...

Lu,

esta da "brita" é de uma crueldade!!
A praia é Atlântida mas os juízes barrigudos vão além!!

soñando disse...

Muito bom o texto, mas é da época que eu plantava, né? Hahahaha. Sério, curti mucho.

Iuri disse...

Oi, Luiza.

Voltei e agora deixo comentário.

Esta tua crônica é muito boa.

Peguei-a sem tua permissão e publiquei-a no meu grupo do Yahoo ("Leitores de Porto Alegre").

http://br.groups.yahoo.com/group/leitoresdeportoalegre/

Quanto ao meu blog, estou aos poucos reativando-o

bj

Iuri

piffero. disse...

só pra esclarecer: só uma pequena parte dessa cronica realmente aconteceu. Mas não vou contar o quê. Rá.

crawshaw. disse...

é a parte que tu sentou na brita, né?

piffero. disse...

renata Lusër.