terça-feira, 25 de setembro de 2007

um brinde à Elis!

Chegou do trabalho cansada, mas resolveu remexer seus discos espalhados pelo quarto verde abacate até encontrar algo que lhe prestasse naquele dia tão exaustivo. Foi então que bateu com os olhos em uma das mais especiais relíquias que tinha resgatado de uma caixa que sua mãe pretendia doar certa vez, quando as casas ainda não tinham grades nem mesmo nas janelas. Estava ali à sua frente a mulher mais vivida deste Brasil, toda e somente Elis Regina. A mulher dos mil traços que a levou a querer ouvir cada vez mais e mais da música popular brasileira, conhecer a fundo a história da nossa cultura e do nosso samba. A menina-moça que lhe apresentou Toquinho e Vinícius e que a fez apreciar a arte do tão querido Chico Buarque. Que lhe concedeu influências musicais tão grandes, que nem se ainda estivesse viva, Elis conseguiria entender.
Sentada no chão do quarto, em meio a infinitos LP’s, lembrou dos dias em que sua mãe colocava para rodar um disco de bossa nova que costumava ouvir aos domingos, enquanto fazia o almoço da família. Aquela mesma posição lhe rendeu belos e tímidos sorrisos na memória onde vagava a cena de seus brinquedos espalhados pela sala e aquela música soando de voz fina e delicada, sempre tranqüilizando a alma – mesmo de uma criança – e fazendo o coração sorrir.
Já tinha esquecido de como toda aquela música lhe fazia bem. Como todos os acordes e todos os barulhos daquele disco lhe soavam como um calmante. Era como se entrasse em alfa e esquecesse todos os problemas que pudessem atrapalhar aquele momento. Colocou o LP para rodar no toca-disco que ficava ao lado de sua cama e ouviu, de olhos bem fechados, os versos ‘caía a tarde feito um viaduto, e um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos...’. Aquele foi o estopim para um turbilhão de emoções dentro de seu peito. Todas as boas lembranças de sua vida no interior lhe vieram à tona. Todos os almoços em família, todos os brindes de ano-novo, todos os presentes e bolos de aniversário.
Decidiu que aquela sua atitude virara agora um ritual. Diariamente, ao chegar em casa, escutaria um disco da nossa música tão popular e tão brasileira. Aquela semana era dela, e só dela. Elis Regina merecia não só sete dias, mas uma eternidade de apreciação das suas músicas. Merecia não somente algumas danças, mas um samba no pé de uma avenida inteira. Como não podia lhe fazer tamanho merecimento, sambava na sala de casa, de pés descalços e janela aberta para o vento bater de leve e ajudar a remexer os cabelos quando necessário. Se chovesse, melhor ainda. O som dos pingos caindo ao chão ajudava a contar o tempo das músicas e não a deixava errar o ponto da dança. Seu apartamento era pequeno, mas o espaço para o ritual já estava garantido. Chegava em casa, largava as chaves em cima da mesa da pequena cozinha e já acionava o toca-disco. Tirava os sapatos com uma incrível velocidade, arredava a mesa que ficava em frente à televisão e começava a soltar o corpo, lavar a alma e deixar toda aquela voz penetrar seu espírito com a maior das inocências.
Não importava como tinha sido seu dia. O instante mais esperado era o de ficar a sós com seus Long Plays e consigo mesma. Dançava até seus pés não agüentarem mais, até o disco pular, ou até ficar sem voz. Desligava o celular e tirava do gancho o telefone de casa. Como não tinha pensado nisso antes? O tempo havia consumido as boas idéias de se ter um final de dia satisfatório durante todos esses anos. Sabia que estava fazendo a coisa certa. Descobrira, enfim, o que era felicidade em um simples ato de tentar organizar o quarto.

3 comentários:

crawshaw. disse...

todos os direitos reservados.

se alguém roubar nossas crônicas eu sento a mão na cara.

piffero. disse...

uh la la renatinha!!
Adorei.
Redescobrir um disco é uma das melhores coisas que existem na vida!

Unknown disse...

a cronica ia combina bem cmgo se trocasse elis por glassjaw
=]